Um texto filosófico é
a exteriorização de uma preocupação autenticamente nossa
Já
mantive a tese de que se começa a filosofar motivado por algum problema. E, por
outro lado, defendi também que se faz filosofia de inúmeras maneiras. Penso que
a segunda afirmação é correta e, mais do que isso, irrefutável. Basta só olhar
a própria história da filosofia. Mas essa segunda tese, correta, não me parece
mais compatível com a primeira. Logo, a primeira deve ser reformulada. Assim como
se faz filosofia de inúmeras maneiras pode-se começar a filosofar por incontáveis
razões. Pode ser um problema, mas pode ser por passarmos a ter um olhar
diferente sobre as coisas, mesmo sem saber exatamente por que, ou sermos
levados por alguma intuição, ou por uma idéia que surge de repente.
Essas
inúmeras vias que nos levam a filosofar são os tantos caminhos que nos obrigam
a refletir, a querer entender, a procurar respostas, a clarear nosso panorama
sobre as coisas — sobre os mais diversos assuntos. Por isso, o texto, num
sentido, já está escrito na nossa mente antes de pôr as idéias no papel. Não se
começa a escrever porque sim. A escrita é uma conseqüência de um estado
reflexivo anterior. Ela pode ser o meio, apenas, de esclarecer e ordenar nossas
idéias, de ver aonde nos levam nossas intuições, de percorrer os caminhos que
se abrem e que nos conduzem a lugares desconhecidos.
Desse
modo, se bem as motivações para se filosofar podem ser as mais variadas e
diferentes, mesmo infinitas, uma vez que fomos empurrados a refletir nossa
atitude só pode ser a de busca. É esse o sentido de ‘pesquisar’. Quem pesquisa ‘busca
por toda parte’. Busca o quê? Só se pode buscar o que não está ao nosso
alcance.
Esse
procurar levou — e continua levando — os filósofos a se debruçar sobre as
coisas mesmas: “que é valor”, “que é arte”, “que é belo”, “que é justiça” etc.
Se procuramos algo, supõe-se que esse algo não está ali para ser achado. Caso
contrário não o procuraríamos. Interessa-nos, então, a própria coisa. Ou, melhor,
interessa-nos em última instância a
coisa.
Quando
procuramos algo nas nossas casas são possíveis, pelo menos, estas situações:
buscamos — por exemplo, uma carta — sem perguntar nada a ninguém. Entramos num
quarto, vamos para outro, mexemos numa escrivaninha, remexemos nas gavetas,
abrimos e fechamos portas de armários etc. Ou, então, perguntamos, antes de
buscar por nós mesmos, se alguém viu a carta ou tem a carta no seu poder. Assim,
uma pessoa, poder ser jovem, ou mesmo muito jovem, e motivada por algo começa
uma busca teórica. Quer saber, digamos, se as diferenças físicas entre as
pessoas estão ou não ligadas aos seus direitos. Ou seja, até que ponto os
direitos das pessoas se relacionam com suas particularidades físicas. Essa
pessoa pode começar a pensar por si, fazendo como fizemos na primeira parte do
exemplo. Mesmo que outro já tenha dado uma resposta, a pessoa do exemplo procura
por si, talvez ignorando que alguém já tratou do assunto e achou uma solução
que poderia ser satisfatória.
Na
filosofia não é incomum que isso ocorra. Não é raro, isto é, que alguém comece
uma pesquisa sobre um assunto que outro filósofo já tenha refletido ou mesmo
proposto soluções. Isso pode ocorrer por várias razões. Uma delas é o mero
desconhecimento de que alguém já se ocupou do assunto. Na ciência isso também ocorre.
As preocupações sobre o quinto postulado da geometria de Euclides levaram dois
matemáticos que não se conheciam a resultados ao mesmo tempo diferentes e
semelhantes.
Na
filosofia, pessoas muito jovens podem, sem sabê-lo, chegar, por raciocínios
semelhantes, aos mesmos resultados que alcançaram filósofos consagrados, sem sequer
suspeitar que suas preocupações e raciocínios eram filosóficos.
Assim,
motivados por algo, somos levados a procurar, seja soluções, esclarecimentos,
novos olhares sobre o mundo etc. Dessa forma, nossa mente vai criando um texto
que, de alguma forma, repito, já existe antes mesmo de pô-lo no papel. Por que,
então, produzir um texto filosófico? Porque precisamos concretizar as idéias
que, talvez de um modo pouco claro, estão nas nossas mentes. Produzimos o
texto, assim, por uma necessidade de exteriorizar algo que precisa ser
materializado.
No
entanto, por serem as questões filosóficas tão amplas e — algumas — tão
antigas, precisamos nos inteirar do que outros pensaram sobre o mesmo. E isso
nos deve levar aos textos de outros filósofos — antigos ou contemporâneos — e
ao estudo e leitura avaliativa de suas idéias.
É o momento do diálogo que segue ao nosso monólogo interno. Não podemos
desconhecer o que os outros têm feito, por isso precisamos, também, pesquisar o
que outros já produziram. Mas esse é uma conseqüência de nós, antes, termos
alguma preocupação nossa. Tal preocupação, sem dúvida, pode surgir pela leitura
dos próprios clássicos. E, a partir dela, podemos ser levados às nossas
próprias reflexões. De qualquer forma, seja que partamos de motivações
próprias, seja pela influência da leitura de outros filósofos, um texto é
produzido porque houve uma reflexão, uma preocupação e uma reflexão próprias. A apropriação dos clássicos
pode ser apenas um meio para a constituição e melhor estruturação das nossas
próprias idéias. A leitura dos clássicos, contemporâneos ou não, faz o papel do
diálogo. Em última instância, as conseqüências são nossas e precisam ver a luz.
E é por isso que devem ser postas no papel.
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