Como produzir um texto
Não é possível
produzir filósofos, eles se inventam sozinhos
Um
aluno me pára no corredor e me conta que está com problemas na minha matéria.
Quer que eu diga como produzir um texto. Trata-se de um aluno de uma disciplina
que inventei, sobre a qual já falei e
que num artigo anterior descrevi como antiacadêmica. O prefixo “anti” não
necessariamente significa “contra”, pode ser usado como “em lugar de”. Assim,
em lugar de uma disciplina em que iria discutir as teses dos grandes filósofos
ou filósofas, decidi discutir com
quem, sinceramente, considero futuros filósofos e filósofas. Proponho problemas
(sobre arte, sobre valor) e levo os estudantes a se posicionarem sobre as
dificuldades que aparecem, motivando-os para que escrevam, produzam textos
próprios que preparam durante a semana e que me entregam antes de cada sessão. Eu leio os
textos em sala de aula e debatemos os — sempre diversos — enfoques, suas
implicações, desenvolvimentos, problemas etc. Tenho recebido textos, sem
exageros, primorosos. Tanto pela forma como pelo conteúdo. Mas, compreendo, num
meio em que o aluno é preparado quase que exclusivamente para repetir — se não,
simplesmente, recitar — as idéias dos grandes filósofos, fazer o oposto resulta
muito difícil. Em que sentido ‘fazer o oposto’? No sentido de se assumir como
filósofo, como pensador, como escritor, como produtor de idéias. De se saber
capaz de reconhecer problemas e se debruçar para, pelos próprios meios, tentar
resolvê-los. (Saber-se capaz de resolvê-los sem o recurso ao clássico, ao texto
consagrado, ao filósofo insuperável e a tudo o que a tradição e a academia impõem
como sacrossanto.)
Como, então, produzir um texto? Um texto que se produz filosoficamente é um resultado. Algo há, e deve haver, que vem antes. Ele é uma conseqüência de algo. De quê? De uma reflexão que se originou de algum problema. Por menor que este seja. Algo nos incomodou. Alguém disse algo que nos produziu uma reação negativa, ou que nos surpreendeu por ser inusitado. Ou, então, ocorreu algo que nos força a tentar entender. Bem, as motivações para que se inicie uma reflexão filosófica são infinitas, como inúmeras são as teorias filosóficas fruto dessas motivações.
Como, então, produzir um texto? Um texto que se produz filosoficamente é um resultado. Algo há, e deve haver, que vem antes. Ele é uma conseqüência de algo. De quê? De uma reflexão que se originou de algum problema. Por menor que este seja. Algo nos incomodou. Alguém disse algo que nos produziu uma reação negativa, ou que nos surpreendeu por ser inusitado. Ou, então, ocorreu algo que nos força a tentar entender. Bem, as motivações para que se inicie uma reflexão filosófica são infinitas, como inúmeras são as teorias filosóficas fruto dessas motivações.
Devemos,
então, ter algum problema. O aluno tinha uma intuição interessante: é possível
separar os valores da arte? Bem, aí temos uma questão. Que devemos fazer? O que
esse aluno deveria fazer? Pensar sobre essa intuição e procurar se esclarecer
sobre o que está pensando, sobre o que está ‘vendo’ na sua mente. Ele entendeu a
idéia e me disse muito bem: “tentar me convencer sobre o que estou pensando?” Sim,
exatamente. Pôr no papel, escrever, articular, transformar em idéias claras as
reflexões que podem estar confusas na mente. Ele me disse que o mais difícil é
começar. E isso é verdade. Nem sempre, claro, mas há ocasiões em que as
primeiras linhas não saem. Mas, uma vez que as primeiras frases se
materializam, outras as seguem. E, aos poucos, somos como que tomados por um
frenesi criativo e as idéias borbulham na nossa mente, e não podemos parar de
escrever. Uma idéia leva a outra, uma conclusão puxa outra, vemos como as
idéias se relacionam, se entrelaçam, entrecruzam e, meio que surpresos, vemos
teses se constituírem, hipóteses aparecem e argumentos se articularem num ritmo
que nos impressiona pela força com que nos domina. Chega um momento em que
somos tomados, levados, dominados por idéias que parecem se impor a nós,
determinando nossas frases, nossos períodos, nossas palavras e conceitos. Até
chegarmos num ponto, quase no final, em que, pasmos, descobrimos que não
acreditamos no que achávamos acreditar momentos atrás, que aprendemos algo
realmente novo, inusitado, surpreendente. E somos levados a dizer: “nunca
imaginei que isso poderia ser assim!” Ou: “quando iria imaginar que ia defender
esta tese!” Mas é isso que ocorre. Somos como que seqüestrados pela força de
uma razão que parece ser independente, forçando-nos, impondo-se a nós e nos
obrigando a tirar esta ou aquela conclusão, a defender esta ou aquela tese,
mesmo que isso signifique o abandono de muito do que um dia pensávamos firmemente
acreditar. Mas para que tudo isso ocorra devemos dar crédito a nossas idéias, a
nós mesmos, considerar que somos capazes de criar, não só de assimilar o que
algum outro pensou. Pois filósofo é aquele que num momento anterior não era
nada e, por um turbilhão de reflexões, produz pensamento e se inventa a si próprio.
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