Quem tem medo de
errar, nunca chegará a ser.
Não
dediquei aos filósofos medievais o tempo que gostaria, e o que eles,
certamente, merecem. Ainda continua sendo um projeto futuro — o de dedicar-lhes
mais tempo, isto é. De outro lado, tampouco os negligenciei por completo. Eles
foram bons companheiros de caminhada em alguns momentos da minha vida e volta e
meia me ocupo de seus argumentos — com enorme prazer, devo reconhecer. Começou
essa amizade nos tempos de graduação.
Tive aula de Filosofia Medieval com quem
não era padre, não tinha sido, nem queria ser. Isso, quiçá, fez uma enorme
diferença. Para melhor, penso. É o filósofo espanhol Lorenzo Peña Gonzalo, que
não sei por que cargas d’água foi parar em Quito, por volta de 1974. Ativista
político na Espanha, naquela época, e um ferrenho opositor do “Generalíssimo”
ditador Francisco Franco — quem, graças a Deus, chegou a morrer, depois de uma
longa agonia, no ano seguinte, aproximadamente um dia de suplício por cada ano
que martirizou o povo espanhol: 36. Bom, eram umas aulas magníficas. Se mal não
me lembro, focalizávamos mais os aspectos da filosofia da linguagem dos grandes
pensadores medievais. Mas o Lorenzo Pena não deixou de mostrar outros aspectos
fundamentais do pensamento medieval, como a profunda dívida que a filosofia
ocidental tem com os filósofos árabes.
Há
poucos dias lembramos mais um ano do nascimento de Santo Agostinho, ocorrido um
13 de novembro de 354, ou seja, há 1664 anos. Muito tempo, poderiam pensar. Longe no tempo, mas muito
próximo no pensamento e nas idéias. Com efeito, há um argumento que influenciou
um dos pilares da filosofia moderna e contemporânea, Descartes. Que recebeu,
também, a influência de outro grande pensador medieval, Anselmo (1033-1109).
Entre
outras — muitas e importantes — teses, é conhecida aquela afirmação de que,
quando ninguém perguntava, ele sabia o que era o tempo, mas quando lhe
perguntavam, aí já não sabia mais. O problema do tempo, em Agostinho, é uma das
questões que exige uma concentração redobrada. É notável que 16 séculos depois
de sua morte ele ainda seja lembrado por filósofos importantes por,
precisamente, ainda estar presente em determinadas concepções filosóficas. Segundo
Wittgenstein, a concepção da linguagem que está por trás do Tractatus, e de grande parte dos
filósofos analíticos, é a tese de que a linguagem é fundamentalmente
denotativa. De que praticamente todas as palavras da linguagem natural referem
objetos. As Investigações Filosóficas,
aliás, começam precisamente com um longo trecho de Agostinho.
Há
consenso nos historiadores sobre a filosofia moderna começar com Descartes. O
pensador francês é, realmente, um divisor de águas. E é apresentado como marcando
o início do que seria um novo modo de se filosofar — no que, creio, não há
nenhum exagero. E mesmo leigos devem ter ouvido a famosa fórmula: cogito, ergo sum — penso, logo existo.
Nas Meditações, Descartes começa um
raciocínio brilhante questionando o que ninguém comumente questionaria. Chega a
duvidar de tudo, por precisamente não poder ter certeza de nada, para ver se
sobre algo não poderia duvidar. E chega à conclusão de que justamente sobre o
fato de estar duvidando não pode duvidar. E se está duvidando, naturalmente,
existe. Pois se duvida, pensa, e, se pensa, existe. A grande primeira certeza
no seu caminho para fundamentar todo o conhecimento humano.
Poucos,
no entanto, sabem que esse argumento, contra o ceticismo, fora antecipado pelo
Bispo de Hipona, como o filósofo, nascido em Tagaste, também é conhecido. Na Cidade de Deus (XI, 26), Agostinho tece
alguns argumentos contra os filósofos acadêmicos que levantavam objeções
céticas. Afirma o filósofo: “Com respeito a estas verdades, não temo os
argumentos dos acadêmicos, que dizem: e que tal se estiveres enganado? Pois, se
estou enganado, sou. Pois aquele que não é, não pode ser enganado, e se sou
enganado, pela mesma razão, sou.”
Neste
ambiente de temores e temerosos, é bom refletirmos sobre isto: só erra quem é,
mas, por outro lado, quem tiver medo de errar, nunca vai ser.
Publicado originalmente
no Jornal Opção, em novembro de 2006
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