quarta-feira, 4 de julho de 2018

Tributo a Ogner Schaiblich


O dia em que as drogas venceram a inteligência

            Em várias oportunidades tenho manifestado minha alegria por ver como o nível dos estudantes que entram no curso de filosofia melhora a cada ano. Além de virem dos seus colégios melhor preparados, entram cheios de esperanças. Muitos sonhos e poucos vícios. É o caso da maioria deles. Poucos vícios, em todos os sentidos. Pois há os vícios acadêmicos, mas há também os outros.
            O ano que termina poderia ter sido um daqueles em que o balanço final é positivo, e altamente estimulante. Para mim, particularmente, por ter oferecido dois cursos, um em cada semestre, que foram sugestões de alunos. Destaca-se o primeiro, um curso de Filosofia da Arte em que os alunos tinham de escrever textos, originais, defendendo fundamentalmente suas próprias idéias, sobre os diversos problemas que surgem quando queremos conceitualizar, definir ou mesmo entender o que é arte, belo, beleza etc. Recebia os textos antes da aula, os revisava, selecionava e os lia para o resto dos estudantes. Dessa forma motivava novas discussões, objeções, réplicas e tréplicas, sempre num nível elevado e respeitoso — o que verdadeiramente é fazer filosofia. O nível dos textos motivou a iniciativa de um dos estudantes, vindo da área de computação, de pôr esses textos numa página na internet. Recebi feliz a ideia e assim foi feito.  Isso ocorreu no primeiro semestre. Um dos estudantes que mais se destacou foi o que terminou escrevendo mais textos. Naquela página podemos ver estudantes que enviaram três. O estudante a que me refiro enviou cinco.
            Ogner F. Schaiblich destacou-se, desde seu ingresso no curso de filosofia, por várias coisas. Por uma inteligência privilegiada, e por um caráter reservado. Talvez reservado demais. Fez comigo disciplinas no primeiro ano e demonstrou uma capacidade especial para a compreensão dos problemas filosóficos e, sobretudo, para a escrita. Escrevia de forma clara, correta e, ao mesmo tempo, profunda; escrevia de um jeito que, às vezes, beirava o poético. Isso foi ficando claro à medida que escrevia e me entregava seus curtos ensaios para Filosofia da Arte.
            No semestre que acaba de terminar, o Ogner se matriculou noutra disciplina que ofereci por sugestão de alunos. Era Pensamento Crítico. O semestre começou bem. Contudo, não terminou como iniciou. O Ogner foi ficando cada vez mais retraído. Triste, eu diria, e melancólico. Um dia me pediu informações para trancar a matrícula. Respondi que já era tarde demais para isso, perguntando a razão do pedido. Queria viajar. Conhecer outros países. Não dei mais atenção naquela hora. Fiquei, no entanto, pensando, estranhado, e ao mesmo tempo preocupado. Aproximei-me dele, um par de semanas depois, para lhe aconselhar que esperasse terminar o curso e, só então, fazer a viagem que queria. Para minha surpresa, respondeu, de forma respeitosa, mas lacônica e taciturna, que era “uma decisão que já estava tomada”. Fitou-me profundamente, com esse olhar de um azul profundo e penetrante que me deixou surpreso. Parece que não estávamos falando do mesmo assunto. Minha pergunta não era tão grave assim, mas a resposta era de uma gravidade inusitada.
            Quando entrou no curso, segundo soube pelos seus colegas, o Ogner nem cerveja bebia. Lamentavelmente, entrou em contato com pessoas que o levaram por outros caminhos. Por rumos nos quais se ingressa e cuja saída poucos a conhecem. Por viagens que, muitas vezes, não têm volta. Conheceu pessoas que, com certeza, não têm a metade da capacidade intelectual que o Ogner tinha e que nunca vão ser nada na vida, a não ser perdedores e que não passam de covardes. Perturbado, melancólico demais, cada vez mais taciturno e talvez depressivo, o Ogner tirou sua vida no meio da semana passada. Foi enterrado em meio de seus familiares e seus verdadeiros amigos. Os covardes que precipitaram esse final, claro, brilharam pela sua ausência. Uma vida como essa, um jovem assim, uma inteligência como a dele, não poderiam jamais ter sido derrotados pelas drogas. Mas foram. E de alguma forma, todos nós somos responsáveis.

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